Reencontrando o propósito.

Durante muitos anos, quando eu era designer gráfico, trabalhei numa agência de comunicação voltada para o terceiro setor e políticas públicas. Foi nesse espaço que o blog surgiu, foi no convívio com meus colegas que eu entendi a importância de transformar meu trabalho num ato político, foi vivenciando experiências dos nossos clientes – pessoas portadoras de hanseníase, soropositivos, trans, gays, prostitutas, líderes comunitários – que eu entendi que de nada vale nosso conhecimento e esforço se não abraçamos o coletivo, parte fundamental do nosso papel como pessoas que vivem em sociedade.
Quando mudei de profissão, senti falta desse olhar no mercado de moda e consultoria de estilo. Macaqueamos à exaustão os fundamentos do que uma consultora faz, por isso não me conformo de resumir o propósito do meu trabalho a dar dicas de como usar macacão jeans, por exemplo. É válido? Claro! Mas o escopo não poderia ser mais amplo, principalmente se defendemos uma moda que seja mais abrangente e, principalmente, vida real?
Estou desenhando minha missão e visão, e do rascunho já compreendi que meu propósito de vida está objetivado em trabalhar com pessoas e fundamentar minha atuação em moda voltada a elas, como ferramenta para libertação e de comunicação. Então vocês podem imaginar que meu dia da mulher foi bem especial: não fui contratada por nenhuma empresa querendo indiretamente dar lição às suas funcionárias disfarçadamente através do meu trabalho, ou como elas devem se vestir ou portar, muito menos pra falar em áreas notoriamente favorecidas das capitais: o meu papo foi com adolescentes de uma escola pública no subúrbio carioca.
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Recebi esse convite na semana em que eu indagava sobre nosso papel como profissionais de moda – sendo que dificilmente encontramos consultoras de estilo e moda negras e/ou gordas. As pessoas estão tão despreparadas para lidar com gente, que esquecem de se comunicar para além da sua bolha social e retroalimentam seus discursos entre si, num círculo que comunica, mas que comunica sempre para as mesmas pessoas, reproduzindo o modelo de sempre do mercado.
O trabalho do profissional de moda não é, nem nunca será superior a nenhum outro só porque atuamos numa área classicista e de um nível social notoriamente elevado.
A Escola Municipal Professor Souza da Silveira faz um trabalho primoroso em Quintino para o futuro dessas crianças e jovens. Vemos à exaustão a mídia massacrando esses espaços públicos, mas mesmo com limitação de recursos presenciei profissionais dedicados e amorosos – das moças da Comlurb aos merendeiros –, pessoas que têm minha mais profunda admiração e respeito. Conversei com os professores, os alunos têm aula de música e de audiovisual, além de referências artísticas espalhadas pelos corredores da escola e aulas de educação física com cama elástica, bambolês e diversos esportes olímpicos.
Como estudante da rede particular, afirmo que o único interesse da instituição era formar “campeões na vida”. Decorávamos as matérias que cairiam no vestibular, não desenvolvíamos pensamento crítico, não tive aula de música nem de filosofia, se estimulava a competição e segregação, eu amava desenhar mas esse detalhe era pífio perto de uma possível classificação numa universidade.
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Foi especial demais estar com esses jovens, rindo dos besteróis, falando a mesma língua para compartilhar minha trajetória em moda e produção de conteúdo. Importante reconhecer meus privilégios para a construção de uma sociedade mais igualitária, de salários, de projetos de vida, com base na dedicação e mostrando que são pessoas aptas a construírem seu próprio futuro com dignidade e coragem.
Presenciei uma coisa linda: saber que a meninada mais rebelde entrou na onda do meu papo e participou; ver meninos me perguntando se poderiam usar maquiagem e fazendo o teste do batom; meninada aplaudindo quando me perguntaram sobre filhos e eu respondi que não acredito que toda mulher tenha que ser mãe; garotas se apoiando, elogiando umas às outras; entenderem que podem construir uma carreira na internet com a linguagem inerente ao seu meio, sem precisarem se projetar numa zona sul ou sendo quem não são.
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Encontrar os prumos de sentir orgulho pelo meu ofício me fez uma mulher realizada em plena semana repleta de mensagens de outras mulheres incríveis. Penso que, através da divulgação dessa iniciativa, outros profissionais do meio possam abranger pra valer seu campo de atuação, chegar em mais futuros profissionais capacitados, dando a oportunidade de termos, finalmente, uma moda mais justa e feita para todos, de verdade.

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