Visita à fábrica da FARM para o Fashion Revolution

Semana passada estive na fábrica da FARM juntamente com representantes de veículos voltados para sustentabilidade e do Fashion Revolution, a convite da marca, que abriu suas portas por conta da semana do Fashion Revolution, um movimento internacional que promove o questionamento às marcas da origem dos seus produtos e da sua cadeia produtiva. Eu fiquei pensativa, mas fui, porque é meu dever quanto veículo investigar e ser curiosa. Bom, é dever nosso! 🙂

A marca, que surgiu num estande da Babilônia Feira Hype, há duas décadas, criou um conceito de estilo de vida e tornou suas estampas objetos de desejo. O que acontece é que, no meio do caminho, muita coisa errada rolou: atendimento notoriamente excludente das lojas, casos comprovados de plágio, baixa qualidade dos tecidos e do acabamento dos seus produtos, com inúmeras reclamações de roupas não durando nem uma lavagem, e, com tudo isso, falar/escrever sobre a marca não é tarefa das mais simples.

Por isso, gente, eu estou dando margem para mostrar o que a marca apresentou de propostas e mudanças no setor da sustentabilidade/economia circular e depois fazendo minhas impressões e críticas sobre. Muita coisa foi dita lá na hora, inclusive.

Fomos recebidas pela Taciana Abreu, head of Marketing da marca, que apresentou as propostas de mudanças da marca para discutirmos sobre.
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Ela apresentou algumas das iniciativas baseadas em economia circular – segundo a Wikipedia, a economia circular é um conceito económico que faz parte do desenvolvimento sustentável e de conceitos econômicos inspirados nomeadamente em noções de permacultura econômica, de economia verde, de economia de uso ou da economia de funcionalidade, da economia desempenho e da ecologia industrial, e que emerge como alternativa à economia linear. O que propõe é que os resíduos de uma indústria sirva para matéria-prima reciclada de outra indústria ou para a própria. Não só isso, como, pretende desenvolver produtos tendo em mente um reaproveitamento que mantenha os materiais no ciclo produtivo. O modelo circular assume que os produtos e serviços têm origem em fatores da natureza, e que, no final de vida útil, retomam à natureza através de resíduos ou através de outras formas com menor impacto ambiental.
Mais abaixo, quando eu mostrar a visita à fábrica, falarei melhor sobre esses pontos levantados.
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ROUPAS QUE NÃO DURAM

Comentei com ela sobre a baixíssima qualidade das roupas, com tecidos que encolhem muito, botões que saem antes mesmo do uso, alças que soltam, entre outros relatos e vivências pessoais, a minha mesmo. Se estão falando de sustentabilidade, esse tópico é importante, porque a roupa precisa durar para aumentar sua vida útil, óbvio.
Ela comentou que estão cientes, mas que estão focando em campanhas para que suas clientes cuidem melhor das roupas. Falou do desodorante de roupas que lançaram, o VISTO BIO, para reduzir a quantidade de lavagem das peças, e de orientação nas lojas para que as clientes lavem menos suas roupas e saibam cuidar mais delas no processo de lavagem.
Todo mundo concordou na hora, é sabido que nem sempre lemos as etiquetas e seguimos as orientações…mas eu lembro que lavei meu blazer seguindo tudo direitinho, fiquei meses e meses usando ele sem lavar, mas na primeira lavada ele encolheu do tamanho M para o PP, como mostrei nesse post que fiz na época. Sem contar que é jogar pro consumidor a responsabilidade. Não fizeram comentários sobre meu relato.
Também falou do projeto de colocarem costureiras nas lojas para conserto das peças e quem for do Clube FARM não paga. Achei essa medida nada efetiva, porque imagina só a demanda dessas mulheres consertando o TANTO de roupa estragada da marca? Terão que ser bem remuneradas.
Achei todas as medidas paliativas, quando penso: melhorar a qualidade! Entendo que é um trampo maior testar o tecido numa peça-modelo, lavar, observar encolhimento e sua durabilidade. Não dá pra lavar rolo de tecido e sempre existirá uma margem de encolhimento, mas acredito na infraestrutura da empresa para pelo menos rever isso e buscar o melhor para seu produto.

CAMINHO DAS ROUPAS

Uma das telas foi sobre o percurso das roupas da marca, desde a idealização ainda no computador, até a sua execução. Reescrevendo para cego ler:
As peças começam no conceito e desenvolvimento, onde 16 funcionários da área de estilo/arte criam cerca de 90 estampas por coleção. No estilo 46 funcionários desenvolvem 100 referências por coleção, para depois definirem as apostas, as que serão colocadas em loja. A partir disso, vem a compra da matéria prima, onde eles têm 120 fornecedores, dos quais 96% estão no Brasil. O corte do tecido acontece depois: são 40 funcionários que cortam as peças, criam pacotes e enviam para a costura, que já recebe as peças prontas para confecção. São 382 fornecedores de facções, os quais 92% estão no Brasil. A fase final é a loja, com 1301 funcionários pelo Brasil todo.
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Fomos conhecer a parte de criação e desenvolvimento da empresa, desde a fase inicial, ainda na tela do computador, à impressão e exposição das estampas. A FARM é conhecidíssima pelo seu trabalho de estamparia, muito colorido, orgânico e com um estilo carioca. Por conta desse conceito, a FARM é das poucas marcas que conheço aqui que continuam com o mesmo valor agregado depois de usadas, se não mais caras, para a revenda.
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A parte do corte das roupas seguindo o molde.
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Cada parte da roupa é cortado, criado esse pack, que é enviado para os fornecedores de costura, que não precisam cortar nada, diminuindo a quantidade de resíduo – que já é grande, vem comigo.
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RESÍDUOS TÊXTEIS E SOBRAS

Todo mês a FARM gera 64 toneladas de resíduos têxteis. É MUITA coisa, muita, se considerarmos que não são uma fast fashion. A Taciana comentou que estão buscando alternativas que não seja despejo em aterros sanitários (no Brasil não temos uma lei de reciclagem têxtil).
Eles possuem uma máquina de desfibrar que dá conta de 1 tonelada/mês. Desfibrar nem sempre funciona para reaproveitamento por conta da mistura de fibras.
A outra 1 tonelada é doada mensalmente para a Rede Asta, que atua desenvolvendo artesãs em empreendedoras. A Rede Asta entrou em contato comigo e contou o quanto essa parceria com a FARM beneficiou o trabalho das artesãs, por serem estampas valorizadas, a saída e compra são maiores, aumentando também o valor do trabalho delas e o quanto elas ficam felizes com isso. Aqui nesse link da Rede, eles explicam como funciona a parceria e os produtos desenvolvidos – elas assinam inclusive um termo para usarem os retalhos apenas para artesanato.
Uma coisa que reparamos foi que muitas sobras estavam molhadas, até comentamos na hora…não entendemos direito como, mas armazenadas assim corriam o risco de mofarem e dificultarem a doação.
Dilemas do capitalismo: geram tantas sobras, porque geram demandas de coleções sempre. Alta demanda, lucro -> maior impacto ambiental. Como reduzir isso se nos deparamos com aquela fábrica gigante?
Taci comentou que estão em busca de projetos como alternativa, mas muitos são embarreirados por questões legais, de fiscalização, etc. Vamos acompanhar.

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Funcionário levando as sobras para os contêineres

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As sobras de rolos de tecidos vão para iniciativas de revenda, troca e doação de tecidos, reunindo um acervo grande, como o Banco de Tecido e Nosso Tecido, que também entregam para todo país. Todos esses tecidos são mapeados para informarem as suas origens, oriundos de doações e curadoria de especialistas voluntários.
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Projetos com Re Roupa e Enjoei

A FARM também lançou há algum tempo campanhas de retorno das suas roupas em troca de desconto na compra de novas. Essas roupas de segunda mão são colocadas à venda, quando em bom estado, na loja deles dentro do site de venda de usados, o enjoei.
O Re-roupa é um projeto de upcycling capitaneado pela Gabriela Mazepa, que cria roupas a partir de roupas. Ela tem essa parceria com a marca, de recriar a partir de peças existentes, que são sobras de lojas ou do projeto de retorno das peças às lojas. Mas mesmo assim são itens de de alto valor agregado, já, por isso é um trabalho que não é barato. Existe a criação, ainda mais se considerarmos que ela transforma calças em camisas, junção de estampas é algo trabalhoso, além da própria modelagem em si. As peças são únicas e têm uma produção limitada, porque é tudo produzido pela equipe da Gabriela, além da limitação de recursos existentes.
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O ReFARM JEANS é a linha de peças jeans feitas de reaproveitamento das sobras e fibras, com redução de 47% do uso de água e de tempo de confecção. As peças vem com uma estampa diferenciada para aprontar todo o beneficiamento desse projeto.
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LISTA SUJA?

Também foi colocado sobre a FARM pertencer ao Grupo SOMA, que respingou nas marcas todas o caso referente a Animale, cujo fornecedor da rede quartenária foi flagrado com bolivianos em condições análogas a escravidão. A FARM está no processo de auditoria para prevenir esses episódios e poder regularizar seu nome na lista de transparência  – a Cotecna é um serviço global que testa, inspeciona e provém essas certificações. Eles informaram que muitos processos são dificultados para, um deles é a limitação desses agentes em áreas de risco com alto índice de violência ou comunidades e outros critérios mais burocráticos.
A marca divulgou suas políticas anti-trabalho no índice de transparência do fashion Revolution Brasil, além de pagamento de hora extra e melhoria progressiva sobre direitos humanos dos funcionários, além de metas para o empoderamento das mulheres segundo o Pacto Global da ONU. Essas infos foram captadas pela jornalista Gabriela Machado, do Roupartilhei, que estava lá conosco no dia.
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IMPRESSÕES FINAIS

Atualizado 25/04/2019
Ontem eu estava meio cansada, confesso, para escrever mais algumas coisas sobre. Hoje, debatendo com minha amiga Thais Faria, vimos o quanto essas soluções e inciativas não visam em mudar efetivamente o sistema, nem em melhorar qualidade das peças e do atendimento. Pelo contrário, gera mais demanda, como venda de canudo de inox e desodorante de roupas. Ou de colocar como único problema a lavagem das roupas pelo consumidor e as costureiras para resolverem todo o estrago.
Iniciativas que não solucionam muita coisa, mas a marca consegue sempre se manter por conta da super valorização das estampas. Mas como Taciana Abreu comentou no dia, quando elogiaram a postura deles de conversarem conosco, “não é mais que nossa obrigação” – e eu pontuei que não era mesmo, mas ainda precisam mudar muita coisa nesse discurso, porque os problemas estão longe de serem solucionados. E que empresas que não estão ligadas nisso vão arcar com as consequências em algum momento.
É um processo que todos nós estamos entremeados, tanto consumidores quanto marcas, mas estas com o peso beeem maior de ressignificar seus modos de produção para que o mercado mude também.
A Raquel Sodré, leitora do blog, comentou comigo que esse assunto é o objeto de estudo da sua tese de mestrado. Palavras dela “sobre essa mudança de foco, do produto para a própria marca, onde os consumidores têm dado mais valor para as experiências que para os produtos em si. O valor agregado é percebido à própria marca, fazendo os valores subirem. Está havendo uma mudança de mentalidade da compra de objetos que funcionam como símbolos de valores, identidades e estilos de vida. Esta é uma forma que as marcas têm de continuar gerando lucro, mas também menos impacto. Claro que esse movimento está no início e ainda vai levar anos até vermos os impactos dessa mudança”.
Acompanhemos e estejamos atentos para ouvir todos os lados.

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