Manifesto de segunda mão

Brechós viraram depósito do consumismo que nos afogou, é fato quando vejo as agendas cheias de horários para análise das peças e pouca gente efetivamente comprando nesses espaços. Retratam um pouco dessa busca desesperada por se ver livre daquela peça que se pagou caro, mas nunca usou – e a tentativa de reaver parte desse preju. Ao invés de liberar espaço, vão nas marcas comprar mais…menos no brechó. Brechó é pra desovar, não pra garimpar, ó que triste.

E entre araras que poderiam ser a solução de um consumo mais consciente e acessível, é comum encontrarmos roupas que foram da coleção de duas semanas atrás da C&A ou da FARM. Doar e vender o excesso parece ser uma boa solução, mas, infelizmente, nem quem é morador de rua tem espaço para carregar tantas vestimentas consigo, nem os brechós estão dando conta de tanta gente ávida por se livrar logo do problema. editado 18/03/2017: refiro-me às pessoas que acreditam que moradores de rua precisam aceitar qualquer tipo de doação, como roupas velhas e rasgadas e, infelizmente, poucos dispõem de espaço para poder carregar consigo tantos pertences. Alguns projetos conseguem receber essas doações e guardar para que eles possam trocar de roupa mais vezes.

Responsabilidade total nossa esse lance de escolher, levar pra casa e depois pensar no destino da roupa que não queremos mais. Colocá-la pra longe da gente não é uma alternativa sustentável a longo prazo.

Sempre me perguntam os melhores brechós – sim, preciso atualizar a lista –, mas eu enxergo todo e qualquer buraquinho que se propõe a vender roupa de segunda mão, sem gerar demanda, como um lugar em potencial para bons achados. Parece que queremos transportar essa vontade de pertencimento de marcas, de um status quo que, na real, não vai valer muita coisa.

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Eu digo isso porque eu gosto mesmo de roupa boa, mesmo quando eu não tinha um centavo no bolso, dava meu jeito de garimpar peças incríveis, diferentes e inusitadas…nos brechós. Antigamente existia aquela ideia de que eram lugares empoeirados, fedendo a mofo e a guardado, com roupas amontoadas – esse cenário eu vi várias vezes em brechós de marcas como FARM, A Brand e Animale, então acho que esse argumento não se torna mais válido como recusa.
Hoje, com a demanda de roupas nesse mundo e a pouca grana da galera, os brechós ganharam esse mundão. Tem brechó de rico que só vende grife; tem brechó que vende coisa boa com preços justos e que até parece uma boutique de antigamente, de tão bacana o atendimento; tem espaço que trabalha uma curadoria porreta de peças incríveis, com tudo limpo, arrumado e estiloso; e tem aquele do bairro, que dá vontade de passar todo dia pra tomar um café.
O resgate pela identificação, pela nossa identidade, valorizar o que se propõe a tornar nosso mundo menos abarrotado de coisas e, melhor ainda, nos presentear com verdadeiros achados com preços que, ALELUIA, podemos pagar, é algo lindo, maravilhoso, digno de se valorizar sempre. Foram os brechós que possibilitarem que eu criasse gosto pelo vestir, e, melhor ainda, me trouxeram essa visão esperta do que realmente importa.
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Macacão, cinto e locação no O Grito Bazar
Espadrille Filipa comprada no enjoei
Brincos Erika Z

Fotos: Denise Ricardo
Produção: Philippe Rudnick 

Usemos mais os brechós como locais de possibilidades e menos de desova; pensemos mais em trocas entre amigas, menos em comprar por comprar, e em armários abarrotados. Brechós revelam identidade única, o vintage precioso da raridade dos tecidos feitos de algodão e linho, das roupas que eram feitas pra durar, que tinham identidade, que eram bem costuradas, marcas que não teríamos acesso mas ganham possibilidade no nosso vestir.

As fotos foram feitas num desses espaços únicos na cidade que revelam ainda o olhar cuidadoso de quem enxerga moda como libertação e que está longe de ser um espaço sujo, com cheiro de mofo e amontoado. Sejamos únicos. Viva o vintage e todo o poder dos itens de segunda mão!

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