Desencantos, ou a história da roupa que encolheu

Consumir moda pode ser uma faca de dois “legumes” muito da cruel. Encantamento na vitrine, amor à primeira curtida no instagram; a necessidade é tanta que ligamos pra todas as lojas, percorremos os sites, fazemos lances em sites de segunda mão.

Meus encantamentos eram mais contidos quando eu ganhava menos. À medida que comecei a ter um salário um pouco melhor, eles ficaram sem muito critério – comecei a pensar, caramba, não preciso mais impor tantos limites! Comprar é sedutor, você se sente meio poderosa saindo de uma loja descoladinha com aquela sacola em mãos. Abre o armário e suspira de emoção ao observar as suas ~conquistas~.

Sabemos que é ilusório. E nem falo somente da tecla de comprar menos e melhor, de perceber o que funciona de verdade pra gente e nosso estilo de vida. Também não me refiro àquela conquista de quem tem mais dificuldade por conta da imposição de tamanhos da indústria.

Ter coisas pode parecer incrível naquele momento, mas mantê-las pode ser frustrante. Estocamos roupas como se esperássemos seu desmantelo a qualquer instante. Ficamos temerosos no dia que ela nos falte – vai que manche, vai que suje, vai que rasgue, assim já a substituo prontamente. Um de cada cor, uma cor de cada modelo!

Com isso, compramos coisas para usarmos poucas vezes – muitas, nem uma. E, vejam só vocês, mais uma notícia ruim: essas mesmas coisas, compradas para alguma emergência ou substituição, também possuem seu prazo de validade. Dentro do armário elas criam manchas, juntam traça, alimentam o mofo e se desintegram.

Qualidade. Essa palavrinha ilusória, parece que bate na cara com nosso dinheiro e sem dó. Com força. Se antes tudo tinha qualidade para evitar gastos supérfluos, as palavras de ordem, hoje, são a obsolescência planejada e a margem de lucro, não importa às custas de quem (de vidas, de trabalho forçado, de materiais danosos pra natureza).

E quando compramos algo que desejamos MUITO e aquilo não dura uma noite, o sentimento é de frustração. Mas era de marca. Mas eu confiava. Paguei uma grana e já estragou. É dureza se sentir assim, sem saída. Tempo e dinheiro jogados fora em troca de uma costura mal feita, um tecido que dá bolinha, um sapato que descasca em pouco tempo.

Me senti assim recentemente com esse blazer. Vocês lembram dele? Comprei na liquidação. Usei muito, muito, demorei vários meses até lavá-lo. Li as indicações na etiqueta: lavar à máquina, beleza. E aí vem a triste constatação ao vesti-lo: encolheu!

blazer-depois
O blazer, que tinha uma proposta larguinha, com mangas super folgadas, ficou assim, com tudo mais curtinho. Desculpem a foto tosca.
blazer-antes
O blazer antes: eu precisava dar dobras e mais dobras nas mangas para que não cobrissem minhas mãos!

Fiquei tão surpresa e tão triste, que pensei que o erro havia sido meu, por ter lavado em casa. Conversei com a engenheira têxtil Manuella Antunes, e ela explicou que o erro foi na ausência de testes com o material, ainda na pré-venda. A fibra não devia ter qualidade, passou por processos químicos com a estamparia e encolheu com a reação do sabão e da água, coisa que deveria ter sido constatada em testes ainda na produção.

Ainda não possuo um detector à prova de desencantos, mas sinto que uma saída seja aproveitar mais o que possuo e desejar menos. Me arriscar mais com minhas ideias e tentar menos ser óbvia. Se rasgou? Tentar consertar. Não tem jeito? Aí penso na substituição, se ela for realmente necessária, útil, única. Mas será que era mesmo tão importante assim? Será que já não tenho parecido?

Poderiam ser perenes, mas são facilmente substituídas. Ou melhor ainda, ficam guardadas esperando algum milagre ou (tomara!) uma oficina de upcycling, serem cerzidas, transformadas em outras por mãos habilidosas.

Mas é difícil esperar. Não temos mais tempo pro conserto da costureira, pro ajuste manual. Quando queremos aquele colete branco, corremos vitrines, sites, shop guides, o diabo para consegui-lo. Compramos vários até chegar naquele ideal. Esperar, quando se fala em moda e tendências, é fatal. Se demorar mais de um mês, capaz de nem estar mais em alta; e sendo assim, do que valeria tanto esforço?

Eu queria muito alguns tênis. Comprei um Keds, um Adidas e um Converse em super promoções, ganhei um da Vert, comprei um Superga também baratinho. Uso demais o Adidas. Uso nada os outros. E, talvez, todos durem o mesmo tempo, igualmente – vão amarelar, apodrecer, fissurar, esfarelar.

Falsa necessidade. Vontade camuflada de querência, de consumismo descabido. Não vou julgar meus momentos, mas não faz sentido ceder a mais. É mais justo e possível usar tudo que tenho, variar mais os modelos, fazer valer o que foi investido. O espaço ocupado por todos eles na minha casa. No meu tempo ao tirar a poeira. O tempo da minha vida.

Mesmo tomando cuidado, estamos em movimento, tudo pode acontecer. O apego só nos deixa mais apreensivos, nos impede de usarmos mais aquilo que gostamos. Infelizmente não conseguimos prever o tempo útil dos nossos pertences, mas eu espero que, até lá, eu consiga ser muito feliz vestindo minhas roupas mais queridas.

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