Não comprei nenhum presente de natal e estou em paz

Eu sempre me afligi nessa época do ano, mas posso dizer que foi agora, em 2017, que me libertei da necessidade de ter que comprar coisas – ou pelo menos estou no processo. A cada ida ao shopping do meu bairro pra sacar dinheiro ou comer, eu fico boba com a quantidade de gente desfilando aleatoriamente pelos corredores, comprando objetos que outras pessoas talvez nunca irão usar ou, pior, numa expectativa louca de acertar presentes.
Não quero dizer que sou um ser superior e todo o resto está errado, mas experimento, a cada dia, a sensação de não me obrigar a comprar, de sair em desespero para encontrar o presente ideal.

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Crédito da arte: Ziraldo

Não, não senti necessidade nem de lembrancinhas para me dizer presente na vida de alguém. Ora, eu o estive o ano todo para quem precisou de mim, meus amigos queridos. Palavras de carinho, presença nos momentos que me fiz necessária, apoio, companheirismo, jantarmos juntos, rirmos e chorarmos na companhia do outro. E, mesmo quando não me fiz presente como gostaria, a certeza que estarei sempre pensando com afeto em quem gosta de mim.
Muitas das coisas importantes nessa vida não são tangíveis. São construídas, são regadas, são perdoadas e sentidas. São maiores, beeeem maiores e não cabem nas vitrines do shopping.
Ontem mesmo saiu a denúncia de fiscais que encontraram bolivianos imigrantes costurando numa fábrica quarteirizada pela Animale, ganhando CINCO REAIS por roupas que custam quase R$700 nas lojas, dormindo próximos às máquinas de costura, trabalhando em horários estendidos, com 1h de descanso, sem água potável, com crianças em meio às maquinas e fiações elétricas.
Uma marca que já exclui pelos valores astronômicos cobrados, que expulsa crianças negras da frente da sua calçada, que não justifica em nada esse tipo de exploração ou de descaso com uma linha de produção contratada. A Animale, aliás, pertence ao grupo SOMA, de marcas como A Brand, FARM, FYI e Foxton.
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A fábrica onde encontraram os bolivianos costurando para a Animale

Que vontade de que se tem de comprar? Da certeza de estar contribuindo para condições degradantes de outras pessoas? Se a marca desconhecia o fato, como nós podemos ter certeza do que estamos levando pra casa? E de vestir uma roupa assim para celebrar…o natal?
Não sair mais comprando por comprar tem sido um alívio na minha vida. Não gera mais ansiedade acompanhar tudo, economizo para o que realmente importa, não faço questão de saber as novidades de tantas marcas, me deixou mais ágil pra me vestir e mostrou um mundo de possibilidades dentro do meu guarda-roupa.
Até mesmo em eventos alternativos a sensação da cópia da cópia, das roupas caras com tecidos que foram comprados no mesmo polo têxtil de outras, a falta de originalidade. Cansativo, repetitivo, pouco acrescentaria ao que eu já tenho.
Sem desespero de “NOSSA ONDE VOU COMPRAR MINHAS ROUPAS AGORA”, até porque, na boa, basta olhar meu armário e ver que eu tenho MUITO. O suficiente para uma vida. Que posso comprar pra substituir quando algo se acabar ou não couber mais. Tem sido uma alegria postar meus looks e perceber que a maioria esmagadora das peças é antiga e está comigo há um tempo.
Para os próximos anos, eu quero mais consciência ainda das minhas escolhas. Essa marca tem mulheres no comando? Como é a relação dela com seus funcionários? Quem está produzindo o que eu visto? Quem realmente precisa de roupas, tem como tê-las? Como melhorar os amigos secretos que participo, direcionando os presentes para a caridade?
Como é sua experiência nas lojas? Você se sente constrangida ao entrar? Sente olhares vigilantes e/ou julgadores, principalmente se não estiver vestida “de acordo”, se estiver “só olhando”, se for negra e/ou gorda? Você entraria em lojas que constrangem outras pessoas?
Uma vez comentaram numa palestra que eu dei: “Mas é muita coisa pra se pensar, são apenas roupas”
Juntem-se aqui com meus pensamentos: são apenas roupas, mesmo?

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