Não banalizem a vida real

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poster daqui.

Certa vez eu caminhava pelo shopping da Tijuca com uma amiga quando uma leitora me reconheceu “Ana! Que alegria te encontrar aqui! Achei que você só andasse no Shopping Leblon”. Ela falou sério e eu brinquei, provocativa, como uma pessoa que prova coxinha em lanchonete e está sempre falando de moda acessível pode ficar só flanando no Leblon? Entendi o seu ponto de vista: ela não achava que blogueiras conhecidas frequentassem lugares mais comuns.

Eu sempre considerei importante pontuar várias questões aqui mais do que pertinentes sobre moda da vida real. Com o excesso de perfis no instagram e em blogs mostrando vidas incríveis, com viagens internacionais a cada semana, praias paradisíacas a cada semestre, looks com as roupas mais desejadas do momento, eventos bombados de celebridades, eu comecei a bater nessa tecla do cotidiano comum com afinco.

Por que ninguém valoriza se vestir bem no dia a dia? Por que só situações fantásticas merecem produções à altura, se a nossa vida tá acontecendo AGORA e é só ela que temos?

Não para contrariar ou fazer a diferentona, mas eita, ESSA é a minha vida. Essa é a vida das minhas amigas. Compro na liquidação não apenas para economizar, mas para conseguir comprar determinada peça. Sou mão de vaca com muita coisa para sobrar dinheiro para aquele curso. Não saio todo final de semana para comprar melhor no supermercado.

Compreendo que meu discurso é de resistência – quem quer ler sobre vida real depois de levar 2h no ônibus lotado do trabalho pra casa? Não é todo mundo, não.

Infelizmente eu já me deixei influenciar e não aceitava tão bem a minha rotina. Olhava as diversas revistas, blogs e painéis fantásticos no Pinterest e pensava por que minha casa não poderia ser tão inspiradora e bem decorada. Por que, por mais roupas que eu comprasse, eu não tinha aquele estilo e aquele closet dos sonhos. Uma sensação terrível de trabalhar tanto, tanto, para o dinheiro pagar apenas contas e não sobrar mais para a viagem maravilhosa, para morar num apartamento melhor ou possuir aquele colete fabuloso.

Acho que esse sentimento sempre foi maior em relação à minha casa. Uma necessidade de sair da casa dos pais para ter meu espaço, meses procurando um apartamento sem ter comprovante de renda à altura das imobiliárias e sem fiador, e, após muita sofrência, um deles me aceitou como inquilina.

Não era o meu apartamento ideal, longe disso: um prédio feioso, banheiro e cozinha antigos, sala e quarto bem apertados, mas com uma vista linda para um morro verde, bem localizado, um aluguel bem barato e a promessa de dias melhores embutida naquelas paredes. Pensei que logo sairia daqui, que seria o meu primeiro apê. Estamos aqui há longos 9 anos.

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Comprei com as minhas economias tudo o que eu precisava: dos talheres nas Lojas Americanas à cama, da máquina de lavar às toalhas na Leader. E durante muitos anos fiquei sem a menor vontade de decorar, com o desejo de sair em breve.

E um belo dia a bolha imobiliária estoura, levando nossas esperanças de comprar um apartamento. Os alugueis dobraram de um mês pro outro e achamos melhor ficar até as coisas se acalmarem. Aceitei o fato e abracei melhor essa casa: compramos móveis novos, senti gosto em decorá-la, enchê-la de plantas e chamá-la de lar.

Até que, finalmente, numa oportunidade única, conseguimos uma casa nova. Alugamos um apê maior, bem melhor, na nossa amada Tijuca, com uma cozinha e banheiro tão espaçosos que eu nem acredito. Um sacrifício maior também, mas seguido da conclusão de uma etapa nas nossas vidas. Se antes eu aceitava qualquer coisa em troca de liberdade, hoje eu já quero conforto, o retorno justo de dias trabalhando pesado. Terei espaço para me maquiar, para cozinhar, para me arrumar, estou MUITO empolgada!

Aí aconteceu. Às vésperas de sairmos, veio gravação de TV, veio jornal fotografar para matéria, nunca na minha vida tantos veículos estiveram aqui em casa.

Um desses era um site desses mais phynos, que vende móveis e decoração na casa dos milhares de reais. Queriam que eu fosse um dos personagens, insistiram muito e negociamos móveis novos em troca da minha cara no site deles, olha que sintonia. Comentei que estava de mudança para uma casa melhor, mas não poderiam esperar para me fotografar em casa – quem pode esperar em dias de urgências fantásticas, não é mesmo?

Estavam todos muito empolgados, marcando a matéria e aí pediram as fotos dos cômodos para ~estudar~ a luz. Mandei. E, como num passe de mágica, a empolgação se foi. Cancelaram, alegando que eu estava num momento delicado de mudança, que sabiam que eu tinha que manter uma imagem coerente com meu site e meu posicionamento no mercado que atuo.

Eu entendi o recado, fiquei mordida, passei a mão no telefone e confirmei. Trocando em miúdos, minha casa não era coerente com a minha aparência. Presumiram que eu morava numa casa-capa-de-revista e não onde o quarto só tem espaço suficiente para caber um armário e uma cama de casal. Sinto informar que para tirar carteira profissional de blogueira não é pré-requisito ter casa decorada pelo arquiteto de Caras, minha gente. Ou é e eu estou por fora?

Eu entendo o lado deles? Até entendo. Eles precisam manter o “padrão”. Mas aí argumentaram “a gente queria muito você, porque você é vida real”.

Desculpem. O que eles não querem é vida real, banalizou-se o termo. Não passa pela compreensão alheia como é a vida de verdade de alguém que saiu de casa sem ajuda alguma, que comprou com seu dinheiro e sacrifício tudo o que tem – e, sim, tem móveis da Oppa e da Tok&Stok, mas tem também os móveis da Casas Bahia e da maravilhosa Rua dos móveis, no Cachambi.

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É uma casa apertada, mas irreverente e colorida. É onde eu sento todos os dias para escrever. É o meu retiro particular em dias de preguiça, onde eu recebi as piores e as melhores notícias da minha vida. É o meu lar. Imperfeito, como as nossas vidas, como a nossa rotina.

Eu confesso: odiava morar aqui, sonhava em me mudar. Pois agora eu penso: que bom que eu vim pra cá. Aqui eu aprendi o que significa ser feliz. Aqui que eu casei, sem testemunhas ou festa. E penso também no quão foda sou eu e são as minhas amigas que dividem apertamentos velhos, que precisaram morar de favor na casa de alguém porque a vida tem desses revezes, que sonham também com uma vida um pouquinho melhor.

Há de ser forte para encarar qualquer que seja a sua realidade, batalhar e construir algo por conta própria.

Não precisa ter móvel de grife do site luxuoso. Carece não. Quando eu me mudar, convido todo mundo a se sentar no chão da sala ainda vazia, com uma taça de um bom vinho tinto, para rirmos das nossas mazelas e brindarmos nossas conquistas.

Se vocês vem até aqui diariamente, eu sei que não é pelas roupas, pela casa de Pinterest ou pela “imagem coerente no meu site”. Tem algo mais valioso. Tem um significado maior no reconhecimento das minhas mensagens e do meu discurso, além de um profissionalismo acima da média. E isso, meus amigos, não se mede por metro quadrado. Não existe o decorativo quando não se tem o conteúdo.

Eu não quero ser quem eu não sou, estou muito feliz assim. Obrigada <3

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