Tecidos naturais são privilégios?

A Bia Novaes me acompanha no instagram e mandou uma pergunta extremamente pertinente sobre o momento atual, em que podemos – e devemos – questionar mais:

“Ana, estava refletindo outro dia sobre os privilégios do algodão! Um amigo veio dizer que não comprava algodão e linho por amassar muito e eu saí da casa da minha mãe há pouco tempo. Realmente, tenho usado menos algodão para não amarrotar e fiquei me perguntando o quanto ter o armário cheio de roupas de algodão passadinha é um privilégio”

Os tecidos sintéticos e artificiais foram ganhando ao longo dos anos, espaço nos nossos guarda roupas por uma série de fatores. O primeiro, sem sombra de dúvida, pela praticidade. Nos anos 60, a camisa “Volta ao Mundo” era tudo que havia de mais notável na época, a praticidade em forma de roupa, pois não precisava passar ferro: colocava na máquina, secava rapidamente e do varal mesmo já se tirava pronta para usar!
As camisas foram se popularizando e passaram a ser adquiridas em qualquer barraquinha, mas as desvantagens existiam: por conta do material ultra sintético, no calor era uma suvaqueira danada de tanto suor, hahaha!

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Eita

Desde o Egito antigo, tecidos de fibras naturais, como o linho, eram de exclusividade das castas mais altas e nobres, por serem mais difíceis de se manterem limpas e impecáveis. Era o uso desse tipo de tecido que distinguiam os ricos dos pobres – porque os nobres lá tinham os empregados para lavar e cuidar das roupas, claro.

Antes de tudo, leia o Guia para entender tipos de fibras

Nos tempos atuais, com a necessidade de impecabilidade para trabalho e status social, não foi diferente. Os sintéticos ganharam espaço por serem mais baratos de se produzir, permitirem técnicas de impressão que as fibras naturais não alcançam, pela praticidade no lavar e passar e, principalmente, por serem mais difíceis de amarrotar.
Malhas e poliéster se reproduziram em lojas populares e também nas mais caras: têm suas vantagens, certamente, mas também permeiam nossos guarda roupas muito por conta da falta de opção que o mercado oferece – quem tem marca pequena já comentou comigo da dificuldade que é conseguir fornecedores de tecidos com fibras naturais.
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Mas e aí, tecidos de fibras naturais são apenas exclusividade de pessoas abastadas? Não, não são. Dá pra observar os mesmos em fast fashions (mesmo sabendo que nem sempre a origem do algodão é das melhores), em brechós (mas não são todas as cidades que tem estabelecimentos de segunda mão), em bazares e sites de vendas de usados. Algumas das minhas peças de seda, por exemplo, custaram entre 20 e 60 reais.
Só que lavar uma peça de seda exige cuidados especiais. Quiçá gastar com lavanderia. Linho se lava à mão, com sabão neutro. E para passar uma roupa de linho, que dificuldade! É muito tempo para deixá-la minimamente apresentável.
E a Bia levantou a bola de forma cirúrgica: mas ter tempo para passar essas peças, não é uma situação de privilégio?
Claro que é, assim como ter conhecimento para entender onde adquiri-las a preços populares. Mas fica a pergunta, também: precisamos de muitas roupas, então? Ou poucas e boas, que deem pra cuidarmos com mais atenção?
Nem acho, aliás, que devemos ter o armário só de peças de origem natural, até porque é impossível. A tecnologia evoluiu para termos fibras mistas que permitam mobilidade, que entremos mais facilmente em certas roupas, que facilitem mesmo nossos dias. Sem contar que não é todo lugar que se encontra.
Mas acho que vale a reflexão de voltarmos aos tempos das nossas avós, em que uma peça de roupa era feita sob medida, na costureira, levando a sua fazenda de um corte de tecido de qualidade. Que se entendia o processo das roupas – das mais ricas às mais pobres. Que se valorizava esse trabalho. Que cuidar do que vestimos é cuidar da gente. Da mensagem pro mundo. Que é auto amor também.
Ter tempo pra se cuidar é privilégio, sim. Mas acredito em novas mudanças, em outras possibilidades para que mais pessoas tenham consciência disso. O que vocês acham?

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