Vamos conversar sobre acesso e privilégio?

“Você só indica roupa de loja cara e isso mostra que muitas não terão acesso a peças de qualidade”.
Li isso em um comentário e fiquei refletindo sobre o real papel do meu trabalho, se ele dialoga mesmo todo mundo ou é apenas mais um conteúdo online que reproduz o que um grupo quer consumir.

Não tem como eu ignorar que, de alguma maneira, eu tenho privilégios: visto 38, sou mulher branca, consigo viver do meu trabalho e pude ter uma projeção de vida melhor graças a ele. Isso quer dizer que, na época que eu escrevi esse post para não termos medo de entrar em lojas, eu não sabia, na minha vivência limitada, que mulheres negras têm medo, sim. Várias me relataram que já foram observadas pelos seguranças na entrada de lojas ou simplesmente não foram atendidas. As mulheres gordas têm medo também, muito pela humilhação que algumas passam ao serem alertadas, logo na entrada, que não existe ali numeração para elas. Ou para a cadeirante, que precisa escolher peças que não sejam difíceis de vestir para manter sua autonomia. Ou para a trans, que recebe olhares julgadores ao entrar nos provadores ~femininos~.

Na época eu li os comentários mas não entendi naquele momento que eu estava arrotando meu privilégio de não ter que sofrer qualquer tipo de discriminação, porque minha aparência é a que mais se aproxima de um padrão aceitável socialmente. Demorou mais um pouco para a minha ficha cair e eu amadurecer o discurso.

Assim foi também quando gravei uma série de stories no instagram falando sobre a impecabilidade, do quanto me sinto cobradas às vezes em estar com as unhas em dia, roupa nova, cabelo com os fios brancos devidamente cobertos, depilação imaculada. Eu nunca senti essa necessidade de estar montada o tempo todo, e que muitas vezes eu prefiro ficar na camiseta, chinelo e sem maquiagem sem me sentir culpada por isso, e tudo bem, que isso não me classificaria como uma mulher desleixada, que esse tipo de cobrança é mais forte conosco. Em seguida, trocando ideia no privado, uma leitora maravilhosa me atentou a esse fato do seu universo, muito comum por conta da sociedade racista estrutural que vivemos:

Comecei esse blog muito porque meu histórico de vida tinha me mostrado o quanto cada roupa adquirida, cada look montado na inventividade, cada peça que era herdada da avó, da mãe ou da tia, diziam muito pra mim, que não tive a oportunidade de escolher looks quando nova. Isso não desmerece minha trajetória e nem é essa a intenção. O mais rico de toda essa estrada foi aprender algo que nenhum livro de moda nem editorial de revistam ensinaram: a ter empatia. A ouvir outra pessoa sem ter a necessidade de colocar a minha opinião, porque pouco importa perto do que ela está relatando. Compreender a sua vivência e acolhê-la.

Aqui ainda tem roupa baratex, tem roupa que já está no meu armário há 20 anos, tem roupa que troquei com a amiga, tem roupa de brechó e de bazar, tem roupa de fast fashion que está durando mais que muita roupa de marca “com qualidade”, tem roupa cara, tem roupa que comprei só pela grife, tem roupa que comprei porque estava triste, tem roupa que comprei porque estava feliz, tem as que eu comprei sabe-se lá por que, tem roupa que estou pagando até hoje, tem roupa que eu amo e custou 10 reais.

Tem de tudo, mesmo. Hoje eu consigo compreender que não preciso ter tanto, nem acompanhar todas as novidades, assim como eu sei que não é porque é de “marca” e custou caro, que significa que a roupa tem qualidade ou que a marca não esteja ligada a exploração de mão de obra, nem preciso passar a mão na cabeça quando tem algo errado só porque a marca se declara slow fashion. Aprendi que é necessário cada vez mais ter uma análise crítica das coisas que chegam até nós, que temos nossa parcela de responsabilidade em questionarmos mais tudo o que aparece na nossa frente. Que se vestir bem não tem a ver com comprar peças de seda. Tem marca usando o consumo consciente como puro marketing, assim como tem a marca da moça da feira que faz seu trabalho no suor e na raça, e cabe a nós compreendermos também que está todo mundo no mesmo barco, suscetíveis a um sistema que nos impulsiona para o comprar, comprar, comprar.

Moda, pra muita, mas MUITA gente mesmo, é intangível. Não posso nunca esquecer que, dentro dessa minha bolha, muitas mulheres não compreendem essa de “fazer boas escolhas” porque isso não é de acesso fácil. Que, por mais que eu declare que algodão orgânico é mais sustentável, teríamos algodão orgânico para todos, em escala mundial (ainda vou conversar só sobre isso, aguardem)? Que é fácil eu instituir um guarda roupa minimalista quando posso fazer escolhas. Assim como tem também o conhecimento e o desejo do pertencimento, e o parcelamento está aí para que todas possam também ter acesso.

Então, gente, é difícil mesmo representar todas as mulheres que eu gostaria. Mas posso garantir que faz parte do meu desenvolvimento e aprendizado tentar ao máximo ter empatia e observar as muitas variáveis enquanto eu estou ali, escolhendo roupa, escrevendo um tema ou debatendo ideias proibitivas que só contribuem em nos deixarmos mais paranóicas. Nada mais aqui é colocado como “viu, vista o que eu visto e você terá estilo” nem “roupa de qualidade tem que ser cara” muito menos “se eu consigo, você consegue”. Porque a roupa pode ser de marca inacessível, ter custado 30 reais no mercado livre (sim, eu tenho blusas com essa história) mas nem sempre esse esquema vai funcionar para todos.

Estamos tentando fazer nossa parte para que outras mulheres ampliem essas discussões, fomentem mudanças em seus modelos de negócio, que transformem seus pensamentos, que se percebam de um jeito menos inquisitório. A moda é só um gancho e o pano de fundo para tudo isso e eu acho bonito demais ter a oportunidade de tentar diariamente ressignificar o seu papel no mundo. Essa é a minha missão e eu tenho muito orgulho de fazer a minha parte.

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