a mulher do fim do mundo usou sua voz e seu corpo como símbolos do empoderamento negro e seus figurinos contam mais essa história
Elza Soares, carioca de Padre Miguel, faleceu essa semana, 20 de janeiro, aos 91 anos de idade. Sua vida foi marcada por miséria, abusos sexuais, um casamento aos 12 anos, a morte de 4 filhos, fome e violência doméstica no casamento com o jogador Garrincha.
Foi perseguida pela imprensa e pela ditadura, sua casa foi atacada diversas vezes, acusada de ter acabado com a carreira do jogador. Elza se afundou nas drogas, pensou em desistir, mas retomou a carreira e brilhou até o fim.
Para tentar fugir da miséria, Elza foi se apresentar no programa de Ary Barroso, que premiava os calouros. Colocou alfinetes no vestido emprestado da mãe porque estava muito magra. Ao vê-la, Barroso questionou de qual planeta ela era. Elza foi categórica:
No figurino desenvolvido pelo estilista curitibano Alexandre Linhares, Elza revive sua história em um visual punk, com centenas de alfinetes. Se autoreferenciar na sua história é para poucos.
“Fui espetada a vida inteira, passei fome de comida e hoje tenho outras fomes. Nesse novo figurino quis simbolizar o que sentia, o que sinto. Naquele dia só sentia os alfinetes me espetando"
O estilista curitibano desenvolveu pra ela sob encomenda um vestido com 200 rosas bordadas que ela usou em um dos seus shows. As rosas foram referência a Lupicínio Rodrigues que, no final dos anos 60, lhe ofereceu rosas ao final de um show e tomou um fora da cantora.
Essa peça mais atrevida, dark, que foi moldada no corpo da cantora. Um macacão preto de vinil com chifres no ombro, feitos com massa de modelar e correntes que descem pelo corpo.
Elza profetizou que a carne mais barata do mercado é a carne negra, fez da sua música uma arma política e o seu vestir arquitetônico representou a força desse vozeirão rouco da voz do milênio.
Formas amplas, cores fortes, cabelo armado, corpo à mostra: nada era tabu para a Mulher do Fim do Mundo, que dizia não ter medo da vida, mas tinha medo de sentir medo.
Elza, a primeira punk brasileira, com seu visual transgressor, sua ousadia, sua força e sua coragem. Elza Soares eterna! Saravá, rainha!
imagens: O Globo