Uma conversa sobre aceitação

“Ao escolher uma roupa pense na imagem que você quer passar com ela” quem nunca ouviu essa frase? Existe uma história, reverberada à exaustão por consultoras, de um estudo que vc tem meio segundo pra impressionar alguém, e por conta disso você deve se preocupar principalmente com a linguagem não verbal, o vestir. Sempre fico incomodadíssima com esse argumento, que acho bem desonesto, ainda mais como estratégia de venda de um serviço que deveria ser um suporte para mulheres e não uma espécie de coação.

O vestir realmente pode impressionar ou afastar, mas isso não depende de vc: as pessoas reproduzem padrões, cada uma tem um referencial próprio, ainda mais se considerarmos a socialização feminina que molda nossas preferências e atitudes desde a primeira infância (e descrita magistralmente no livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir).

Mas, veja, o que pode repelir algumas pessoas, pode aproximar outras tantas. Não dá para viver se pautando exclusivamente em agradar o máximo de pessoas possível, isso é irreal.

Como cobrar a aparência de alguém que acabou de enterrar um ente querido? Como cobrar de uma mãe sozinha nos cuidados do seu bebê uma preocupação estética quando, intrinsecamente, ela tem como prioridade no momento garantir a vida e o bem estar desse serzinho? Parece injusto, não? E é. Até porque você nunca saberá tudo que essa pessoa está passando. Mas continuamos a ser cobradas e a cobrar mesmo assim.

Vivemos em um senso comum de sociedade que diz que você tem que se preocupar com os outros desde sempre. Se não comer tudo, mamãe chateia. Se não vestir a roupa que a tia deu, ela vai ficar triste. E crescemos ouvindo que o foco tem que ser sempre no que o outro vai pensar, o que vai achar de nós, para sabermos se seremos merecedoras de amor ou não.


Eu lembro quando demorava horas para me vestir, trocava de roupa inúmeras vezes pensando no look fodástico para o evento. Chegava a comprar roupa em cima da hora, de tanta cobrança. E quase sempre ficava frustrada, porque não me vestia pensando no meu conforto (e aqui não é só sobre roupa básica, etc, é sobre conforto de estar vestida de si mesma), mas no medo de ser julgada, de não ser vista como ~estilosa.

Sabe, a roupa que eu usava foi importante para eu mostrar minha personalidade, para eu me sentir melhor na minha pele por conta do vazio que sentia em mim, da insegurança, da crítica severa – mas roupa mofa, rasga, fica pequena ou larga e deixa de servir. Tenho muitos looks aqui que eu olho hoje e vejo o esforço de me adequar, para fugir das críticas e ser socialmente aceita. E me acolho nesse passado, porque foram as ferramentas que eu tinha disponíveis na época para me proteger e me fortalecer.

Não dá para ignorar o contexto social

Vivemos em sociedade, por isso não podemos ignorar que precisamos sim nos vestir de acordo com certas adequações. e regras Não dá pra falar para alguém se vestir do jeito que quer e dane-se os outros, é necessário avaliar o contexto e onde sua liberdade ultrapassa a do outro. Mas temos que considerar que a pressão que sofremos constantemente é absurda, desumana, proposital para gerar lucro à uma indústria de procedimentos estéticos e de beleza (o Brasil é o quarto país no ranking mundial de gastos com produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos segundo a Euromonitor), fora a apropriação de discursos com base em liberdade e autoestima que só servem para falsear que temos escolhas, basta querer.

Não temos tanta liberdade, não. Se eu não for bem na entrevista de emprego, não conseguirei ter autonomia financeira, por ex, e isso é essencial para nossas vidas. Nos é ensinado, como eu disse, a buscarmos a aceitação alheia passando por cima da nossa saúde, do nosso prazer, dos nossos limites, e é esse o alerta: não dá pra ignorar o contexto social, mas é importante atentar-se ao que se faz e como se veste sem considerar quem se é e ter respeito por você antes de tudo. É com pesar que observo tantas mulheres buscando primeiro o amor de um homem a outros tipos de realização (e me incluo aí, viu?).

Esse video da linguista Jana Viscardi sobre a indústria dos grisalhos que cresceu na pandemia é perfeito para ilustrar o que estou escrevendo aqui:

o que será da gente sem a roupa perfeita? O que seria do mundo se nos vestissemos pensando apenas na roupa que faz carinho no corpo, no que é funcional, com o que te faz sentir bem (e não importa se é toda de paetês ou de uma malha leve), que seja gostosa de estar dentro, ou querendo aparecer pavão total mesmo, com a finalidade de buscarmos ao máximo, e dentro do possível, nos sentirmos bem conosco? Certamente gastaríamos menos, teríamos mais tempo livre para outros projetos, para estudar e descansar.

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