Entrar em uma loja e não encontrar uma peça com modelagem que vista bem, ou mesmo vestir tamanhos diferentes dependendo da marca é um problema que muitos consumidores brasileiros enfrentam pela falta de padronização da tabela de medidas de roupas das confecções.

Tamanhos completamente aleatórios contribuiram para que mulheres ao longo de tantos anos fossem as maiores vítimas de um sistema que tenta excluir pessoas com corpos minimamente fora do padrão. Não importava se sentir bem na roupa, a sugestão velada e, muitas vezes, declarada pela equipe de vendas nos provadores, era que se emagrecesse para que as roupas pudessem caber. E como ter parâmetros se o tamanho 42 de uma loja era o tamanho 46 da outra? Se o G da calça mal passava da bunda da cliente? Claramente uma estratégia gordofóbica de tantas e tantas marcas que não queriam mulheres fora das proporções e do ideal de magreza dentro das suas lojas.
Infelizmente muitas mulheres também idealizam um tamanho menor na hora de escolherem roupa.
Em 2019 eu escrevi um post sobre as consequências da falta de padronização, mas parece que finalmente chegou: a Associação Brasileiras de Normas Técnicas (ABNT) aprovou, neste mês, uma nova norma para as tabelas de medidas, a NBR 16933. Ela vai do tamanho 34 ao 62 e contempla dois biótipos femininos, colher e retangular. Conduzida pelo Comitê Brasileiro de Têxteis e Vestuário da ABNT, a novidade é fruto de um diálogo extenso com muitas instituições e setores, como o Senai Cetiqt, Associação Brasileira de Plus Size (ABPS) e empresas do setor.
Essas medidas servem como referencial para as tabelas de medidas usadas indústria do vestuário, mas o não uso ou a falta de padronização dessas tabelas nas confecções provoca grandes dores de cabeças em quem produz moda e quem a consome: a moda sempre excluiu pessoas com corpos não-padronizados, sendo sempre gordofóbica e capacitista.
Quando começamos a tabelar medidas corporais para as roupas?
A partir das revoluções industriais que tiveram início no século XVIII, a Indústria Têxtil se desenvolveu de tal forma que possibilitou a produção de roupas em larga escala no século seguinte.
Para tanto, foram realizados estudos antropométricos para a indústria do vestuário, que viabilizaram as primeiras grades de tamanhos de roupas para a produção em série.
Esse tipo de produção teve crescimento significativo após a Segunda Guerra Mundial e, com o conceito de prêt-à-porter, ou pronto para vestir grandes marcas passaram a democratizar suas criações através do prêt-à-porter, ou pronto para vestir, impulsionando a Indústria da Moda com produtos de mais qualidade e variedade de estilos.
Apesar de haver um referencial de tamanhos do corpo humano, cada confecção produzia peças a partir de medidas que entendiam ser o padrão de corpo de seus consumidores, ou seja, não havia um critério universal.
Isso mudou em 1969, quando a Organização Internacional para Padronização (ISO, na sigla em inglês) determinou que cada país deveria se basear nos biótipos nacionais para padronizar suas medidas.
O biótipo padrão é o retangular
As novas necessidades do mercado de têxtil e de vestuário, juntamente com o surgimento de novos tecidos e o avanço da tecnologia, a norma de 1995 deixou de vigorar em 2012, ano em que começaram as pesquisas para entender, de acordo com mudanças sociais também, os referenciais mais próximos da realidade do corpo das brasileiras . Em 2015, quando estava pronta para ser lançada, a ABPS sinalizou a falta de tamanhos maiores na grade. Começou, então, outro processo de revisão, que só terminou neste ano.

Dessa forma, além das informações do tamanho, as etiquetas das roupas passariam a ter também medidas corporais de referência sobre as quais determinada peça foi feita, de acordo com as proporções de biótipos.
O Senai Cetiqt conduziu sua pesquisa SIZEBr que serviu de embasamento para a nova norma, que começou em 2006 e utilizou um body scanner, um tipo de aparelho que consegue captar e computar rapidamente medidas antropométricas, para percorrer o país. Ao todo, mais de 10 mil pessoas, com idades entre 18 e 65 anos, foram medidas nas capitais dos 27 estados do Brasil.
O projeto tem um documento com todas as referências dessa pesquisa e uma live gravada no canal do Senai Cetiqt, de onde retirei o gráfico acima, mostrou que, diferentemente do que sempre foi divulgado, o biotipo padrão da mulher brasileira é retangular: 76% contra os 6% ampulheta!
Faltam referências de pessoas gordas na nova norma
De acordo com a matéria na revista Elle, infelizmente a nova norma não vai resolver muitas questões. Primeiro que as marcas não serão obrigadas a adotá-la; segundo, que passa por uma preocupação por modelistas que desenvolvam designs capazes de deixar os corpos confortáveis nas roupas, que as marcas possam divulgar suas tabelas e mostrar como mulheres podem medir seus corpos e entenderem a importância de se conhecerem para não ficarem à mercê de mais regras.
Por fim, o mais grave é que a pesquisa SizeBr não contou com a participação de um número importante de pessoas gordas que, segundo eles, não se sentiram à vontade com a medição dos seus corpos – e isso impactará certamente no desenvolvimento de roupas pensadas na também diversidade dos corpos gordos.
A empresária à frente do Pop Plus, maior feira de moda plus size da América Latina, Flavia Durante, deu entrevista à publicação desacreditando desse novo padrão, criticando marcas que notoriamente usam a bandeira da diversidade mas sempre excluem os corpos gordos de campanhas, não projetam lojas que os atendam nem treinamento de equipe.
Vantagens da padronização da tabela de medidas
Apesar de não serem de uso obrigatório por parte das confecções, as normas da ABNT para o vestuário são ferramentas muito úteis para que as marcas se adequem a diversidade de biótipos, uma vez que as tabelas de medidas referenciais já passaram por estudos, foram discutidas e aprovadas por especialistas da área.
O site da Audaces, que trabalha em inovação tecnológica para a moda, fez uma lista de vantagens dessa padronização:
Como resultado da falta de padronização, o consumidor de moda vê uma experiência que deveria ser prazerosa se transformar em uma busca cansativa por uma peça de tamanho correto, confortável e com boa vestibilidade.
1. Ajuda a identificar os biótipos do público-alvo
Com uma tabela de medidas padronizada, fica muito mais fácil conhecer quem usa determinado produto e quais os tamanhos da grade mais tem saída nas lojas. Também é possível saber qual é o biotipo que mais se encaixa no público-alvo e ter essa informação como referência para novas criações.
2. Facilita a modelagem
Trabalhar com tabelas planejadas de acordo com diferentes proporções, tamanhos e formatos corpóreos facilita a interpretação de medidas, a criação de bases e a confecção de moldes de qualidade.
O resultado de uma modelagem feita a partir de uma tabela de medidas, estudada para ser aplicável a diversidade corporal dos consumidores, são modelos ergonômicos e esteticamente agradáveis.
A padronização da tabela de medida também otimiza o processo de reutilização de bases e a gradação de moldes para tamanhos além do utilizado na peça-piloto.
3. Reduz desperdícios de materiais
Servindo de base para a criação, modelagem, orientação da costura e controle de qualidade dos produtos, a tabela de medidas padronizada ajuda na redução de resíduos e desperdícios de materiais.
Isso porque é possível garantir uma menor taxa de erros e retrabalhos, tornando o processo produtivo muito mais sustentável desde a peça-piloto.
4. Facilita compras em lojas online e físicas
A partir das grades de tamanhos padronizadas segundo as normas técnicas da ABNT, é certo que os modelos terão melhor caimento e conforto na maioria dos biótipos brasileiros.
Isso facilita tanto a compra em loja física, quando não é possível provar a roupa em loja — como no caso da escolha de presentes — quanto a compra em lojas online.
5. Reduz o tempo de provador
Quando uma coleção é trabalhada sobre uma boa tabela de medidas, o processo de prova da roupa é muito menor. Se o cliente bate o olho em uma peça e gosta muito dela, por que frustrar o desejo de compra por incompatibilidade de medidas?
6. Reduz troca e devolução de produtos
Troca e devolução de produtos representam custos consideráveis para a confecção, uma vez que as peças que sobram de uma coleção entram em ponta de estoque e o lucro sobre ela se torna menor.
7. Fideliza clientes
Satisfeito, um cliente sempre tende a consumir novamente e recomendar uma marca, o bom caimento e a modelagem se tornam um diferencial, entre tantas marcas que não possuem medidas pensadas de acordo com seu público-alvo.
Referências para esse post, trechos retirados:
O DEBATE SOBRE A PADRONIZAÇÃO DE MEDIDAS NA INDÚSTRIA DA MODA
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